quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Solução rápida

Ao chegar na recepção de um prédio de consultórios médicos, testemunhei o seguinte diálogo entre a recepcionista e a filha de um paciente que passou em consulta psiquiátrica:

Recepcionista: ... então, você liga para esse número (no dedo dela está colado uma etiqueta escrita Solução Rápida e o número do telefone da empresa. Entrega a etiqueta à mulher que cola o adesivo na receita) e fala qual medicamento você quer comprar. O motoboy vai até o seu endereço, retira a receita, compra o medicamento - a farmácia deles tem um preço mais em conta - e leva o medicamento no seu endereço...

A mulher gosta da comodidade e do conforto oferecido pelo serviço. A recepcionista completa:

- ... fala que o teu pai é paciente da Dra. X. que eles te dão de graça mais duas caixas do medicamento.

A mulher acredita que a solução é mais rápida do que de fato é e, genuinamente empolgada, pergunta:

- Não dá pra levar essas duas caixas agora?

A recepcionista dá uma gargalhada sonora e diz que não dá. Explica novamente à mulher que para conseguir as duas caixas do medicamento, ela precisa ligar para o número que está na etiqueta. Noto nas mãos da recepcionista duas caixas de um mesmo remédio, unidas por uma etiqueta similar a entregue para a mulher. Estico o pescoço - é um balcão típico de recepção de consultório médico - e consigo ver o nome do remédio: um dos nomes comerciais do Citalopram, um antidepressivo.

Enquanto a mulher elogia o serviço divulgado pela recepcionista, percebo no colo da funcionária uma sacola plástica dessas de supermercado cheia de caixas de medicamentos. Seriam mais caixas de ci-t-alopram, me pergunto.

Mais cedo no mesmo dia em meu consultório uma paciente contava sobre a primeira consulta dela com uma nova psiquiatra. Ela passou em consulta com a psiquiatra para conseguir uma carta da médica a encaminhando para a psicoterapia - uma exigência do plano de saúde da qual ela é beneficiária. 

Durante a anamnese a médica descobre que a paciente é usuária de um antidepressivo receitado por um médico de outra especialidade - um gastro. A médica adverte minha paciente de que o tratamento está incorreto e receita outro tipo de antidepressivo, um dos nomes comerciais da Sertralina.

A médica saca da gaveta uma caixa de amostra grátis do medicamento recém receitado e oferta para a paciente. Ela aceita, mas em seu íntimo tem dúvidas quanto a mudar de medicamento ou não... Devido a uma série de motivos que não vem ao caso, a paciente não gostou da consulta com a psiquiatra. Dentre as reclamações, destaco uma fala dela: 

- ... no meio da consulta a recepcionista entra no consultório carregando uma caixa cheia de amostras grátis de medicamentos e pergunta para a psiquiatra onde deveria guardar a caixa. Ela respondeu jocosamente que tomasse cuidado, porque iria vender os remédios. Ambas riram, a médica se virou para mim e disse num tom sério: tem gente que faz isso, sabia? Vende amostra grátis de remédio...


Muitos são os que precisam dos medicamentos psiquiátricos para suportarem as dores da existência. Para alguns, a possibilidade de faltar o remédio por uns dias é suficiente para desencadear uma crise de angústia terrível e muitos outros sintomas.


Conhecer uma solução que permita acesso gratuito a uma certa quantidade de um medicamento -quando você precisa de um - é algo para se empolgar. Mas, o acesso gratuito a remédios psiquiátricos seria realmente caso para empolgação?


É atraente ter menos gastos, sem dúvida. Ainda mais ao se tratar de uma solução rápida, como propagandeou a recepcionista. No entanto, sabemos que não existe almoço grátis... 


A solução é rápida para quem? Existe solução rápida para as dores do viver? Caso exista, será a pílula uma solução rápida? Você economiza dinheiro ao tratar questões subjetivas com medicamentos?



O tratamento psiquiátrico da depressão, por exemplo, é de médio a longo prazo. As estimativas mais otimistas para a remissão do quadro são de seis meses a 1 ano.

Uma busca rápida no Google é suficiente para dar uma noção superficial do valor do Cloridrato de Fluoxetina - nome de outro antidepressivo. Os preços variam de 13 a 58 reais por caixa, dependendo da dosagem e da quantidade de comprimidos.

Há casos que precisam de uma intervenção rápida e os remédios psiquiátricos podem ser muito eficientes, mas não resolvem totalmente o problema. A atuação dos remédios psiquiátricos é nos sintomas e não nas causas. 


O que provoca mal-estar e muitas vezes adoecimento passa por uma via que vai além da percorrida na bioquímica neuronal. Em outras palavras, na maioria das vezes não é o que ocorre no cérebro que provoca adoecimento. Ao contrário, questões subjetivas provocam efeitos (não apenas, mas também) que afetam o corpo. 


Muito da descoberta freudiana remete a isso: o motivo do adoecimento de alguém, não é necessariamente por conta de uma disfunção orgânica. Muitas vezes é porque algo não anda bem que uma pessoa pode produzir um sintoma que afeta o organismo, incluso um desequilíbrio bioquímico no cérebro.


Na Segunda Guerra Mundial, os nazistas criaram uma novilíngua com o idioma alemão e deturparam a língua deles de muitas formas para suavizar o que faziam... Exemplo disso foi o uso do termo solução final para escamotear o extermínio em massa de judeus. 


Solução rápida parece mais um termo de novilíngua contemporânea. Novilíngua "é um idioma fictício criado pelo governo hiperautoritário na obra literária 1984, de George Orwell. A novilíngua era desenvolvida não pela criação de novas palavras, mas pela "condensação" e "remoção" delas ou de alguns de seus sentidos, com o objetivo de restringir o escopo do pensamento. Uma vez que as pessoas não pudessem se referir a algo, isso passaria a não existir. Assim, por meio do controle sobre a linguagem, o governo seria capaz de controlar o pensamento das pessoas, impedindo que ideias indesejáveis viessem a surgir. (...) A ideia aqui consiste em restringir as possibilidades de raciocínio." (wikipedia) 


O que está implícito no termo solução rápida é a crença de que tomando medicamentos as pessoas vão curar a causa do adoecimento - e rápido, o que de fato não acontece. É uma promessa de cura que tem efeito similar ao de enxugar gelo... trata dos sintomas e não do que os provoca. 


Além disso, a promiscuidade entre médicos, comerciantes de fármacos e indústrias farmacêuticas é travestida em vantagem para o paciente/consumidor. Uma vantagem, no mínimo, duvidosa. 


Um amigo meu, dentista, sugeriu que eu procurasse o site dessa empresa antes de publicar esse post. Ele disse não ser possível do ponto de vista legal uma pessoa conseguir três caixas do medicamento com a receita de uma caixa.


O site da empresa não faz nenhuma menção ao tipo de serviço que escutei da recepcionista. Eles oferecem sim a entrega em domicílio dos medicamentos, mas não existe no site informação sobre vantagens do tipo 'compre um e leve três'.


Em A epidemia de doença mental na edição 59 da revista Piauí http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-59/questoes-medico-farmacologicas/a-epidemia-de-doenca-mental, a jornalista Marcia Angell analisa três livros escritos por autores de diferentes formações: um psicólogo, um jornalista e um psiquiatra.


Os três autores estão de acordo em relação a duas questões:



"Em primeiro lugar, concordam que é preocupante a extensão com a qual as empresas que vendem drogas psicoativas – por meio de várias formas de marketing, tanto legal como ilegal, e usando o que muita gente chamaria de suborno – passaram a determinar o que constitui uma doença mental e como os distúrbios devem ser diagnosticados e tratados.

Em segundo lugar, nenhum dos três aceita a teoria de que a doença mental é provocada por um desequilíbrio químico no cérebro."  (revista Piauí, agosto de 2011, edição 59)

Qual a solução ci - t - alopram?




     























No centro do U


Caso ficasse alguma dúvida quanto a seriedade de nossas intenções em Oxalá, No centro do U escancara com muito bom humor os propósitos da igreja da Centralização. 

Nós criamos muitos nomes para nossos personagens ao longo dos anos. Nesta música surgem o profeta Artioli e o Mestre Grão, muitos outros fizeram parte de nosso panteão... 

Música e letra são de K, o fiel (Cristiano Di Donato) em parceria na letra com o Mestre Grão (João Grembecki). 

Lembro de conversarmos sobre uma cena para quando acabasse essa música. Desceríamos do palco com máquinas de débito/crédito cênicas e pediríamos dinheiro, cheque, dólar, etc, para a platéia. Ríamos muito bolando cenas... 

Eu sempre gostei de chamar nossa igreja de Centralização Universal e me divirto ainda hoje  escutando o Cris cantar no fim da música: qual? qual?